Os reinos perdidos da África
Ao fugir dos estereótipos, livros mostram as ricas civilizações do continente africano
01/09/2019
Por Howard W. French
Não é de hoje que uma vasta parcela do pensamento ocidental trata a África como se ela existisse fora da história e do progresso, incluindo-se aí tanto pensadores do maior prestígio quanto o entretenimento oferecido a várias gerações de crianças. Desenhos da Disney mostram entusiasmados canibais africanos seminus cozinhando as suas vítimas em caldeirões suspensos sobre enormes fogueiras.
Entre os intelectuais, os exemplos embaraçosos são muitos. Voltaire disse dos africanos: “Chegará, sem dúvida, o dia em que esses animais aprenderão a cultivar direito a terra, para embelezá-la com casas e jardins, e a distinguir os trajetos das estrelas. O tempo é fundamental para tudo”.
A opinião de Hegel sobre a África é ainda mais categórica: “O que conhecemos com propriedade da África é seu Espírito fora da História, alheio ao Desenvolvimento, ainda às voltas com as condições mais cruas da natureza, e que só podemos apresentar aqui como situado no limiar da História do Mundo”.
Ecos dessas visões podem ser ouvidos entre os políticos ocidentais. Donald Trump referiu-se a várias nações africanas como “países de merda” [shithole countries] em 2018, e o presidente francês Emmanuel Macron declarou, em 2017, que “o desafio que a África tem pela frente é completamente diverso e muito mais profundo” que os enfrentados pela Europa. “É uma questão civilizacional.”
Pode ser um fato ainda pouco conhecido, mas, ao contrário do que virou rotina afirmar, nunca faltaram civilizações na África, e o continente jamais se manteve alheio aos fatos da história mundial. Excelentes livros reforçam essa noção com profundidade acadêmica, mas em termos acessíveis, e felizmente tornam bem mais complexa a nossa compreensão do passado e do presente da África.
O Rinoceronte de Ouro: Histórias da Idade Média Africana, de François-Xavier Fauvelle, revela – a muitos leitores, certamente, pela primeira vez – a existência do que vem sendo definido pelos especialistas, com precisão cada vez maior, como a África medieval. Para o francês Fauvelle, um dos principais estudiosos do continente, essa Idade Média seria o período entre a Antiguidade em lugares como o Egito, a Núbia (hoje parte no Egito, parte no Sudão) e Aksum ou Axum (na Etiópia atual), onde se encontram magníficos legados arqueológicos, e mais ou menos o ano de 1500, quando a África adquire as profundas cicatrizes deixadas pelo tráfico de escravizados e o imperialismo ocidental.
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