Borba Gato e a emergência do passado no presente
Protestar no monumento que exalta o movimento bandeirante colocou a história no centro do debate e permite questionar o quanto de passado ainda há no presente.
25/07/2021
Em Estadão
Por Deborah Neves e Flávio de Leão Bastos Pereira
Em sua obra A Memória, A História, O Esquecimento, escreveu Paul Ricoeur que “(…) não temos nada melhor do que o testemunho e a crítica do testemunho para dar crédito à representação historiadora do passado”[1].
Nos últimos quatro anos, contestações em torno de monumentos, memoriais, estátuas etc. erigidos como homenagens a personagens da história contemporânea tem ocorrido de maneira intensa e globais. São figuras que representam períodos autoritários e/ou a fundação do mundo moderno com base na escravização de pessoas e que possibilitaram a criação e manutenção de impérios coloniais entre os séculos XVI e XX. Por esta razão, tais contestações não têm apenas um lugar, mas tem ocorrido em vários países do mundo ocidental, seja em países colonizadores quanto em países que sofreram colonização. Trata-se do resultado do acesso, pelas populações, aos estudos críticos contra-hegemônicos que contestam e contradizem os discursos e os acontecimentos tal como descritos pelas narrativas oficiais; a partir delas, construíram-se mitos nacionais e versões romantizadas de processos políticos pautados pela violência e uma memória histórica desprovida de crítica quanto aos atos praticados em nome de uma pretensa civilização.
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O rol de crueldades praticadas pelos bandeirantes é infindável. John Hemming, um dos mais renomados especialistas na história dos povos originários das Américas, antigo diretor da Royal Geographical Society, em uma de suas clássicas obras sobre as nações indígenas do Brasil, também detalha os processos de extermínio de nossos indígenas em sua obra Ouro Vermelho, que aborda o período entre 1500 a 1760 (ano da expulsão dos Jesuítas), mencionando a violação das mulheres indígenas pelas bandeiras:
“(…) Após o século XVI os colonizadores portugueses perderam todo o interesse pelos povos que estavam subjugando. Expedições às terras do interior e guerras contra os índios eram empreendidas por homens analfabetos, atrasados, cujo único propósito era matar ou escravizar os nativos(…) As índias cativas também estavam à disposição de seus senhores bandeirantes; Ruiz de Montoya(…) escreveu que ‘com belas mulheres, capturadas nesta e em outras vilas que eles destruíram, fossem elas casadas, solteiras ou pagãs, o proprietário as trancava em um quarto, como um bode em um curral de cabras!’(…)”
Sobre Borba Gato, o currículo não era diferente. Além de caçador de indígenas, era também um criminoso fugitivo da lei, posteriormente perdoado e agraciado com honrarias pelo Rei de Portugal em troca da informação sobre a localização das minas de ouro que localizara, na região onde se escondera. […]
Leia o texto original na íntegra no Estadão
[1] Ver RICOEUR, Paul. La Mémoire, L´histoire, L´Oubli, Paris, Seuil, 2000.