Arte de guerrilha

Considerações sobre o livro de Artur Freitas que discute o papel da vanguarda e do conceitualismo no Brasil

23/03/2021

Em A Terra É Redonda

Por Ricardo Fabbrini

O livro Arte de Guerrilha: vanguarda e conceitualismo no Brasil de Artur Freitas, examina a produção de artistas de vanguarda no Brasil no período da ditadura militar, ou, mais precisamente, de 1969 a 1973, primeiros anos de vigência do Ato Institucional n. 5 (AI-5), de 13 de dezembro de 1968.

Seu intento é especificar, no interior da produção dita contracultural, as estratégias da arte de guerrilha – ou do “projeto conceitualista”, na expressão de Artur Freitas – que reagiram à repressão política, à perda de direitos e à censura às artes, frutos do AI-5. Nesses anos de redefinição do papel das vanguardas no país, o artista – dizia em 1975 o crítico Federico Morais, que cunhou o termo “arte-guerrilha” – tornou-se “uma espécie de guerrilheiro”; “a arte, uma forma de emboscada”; e o espectador converteu-se em vítima, pois, sentindo-se acuado, viu-se obrigado “a aguçar e ativar seus sentidos”.

A obra de Freitas refere-se ao período da arte contracultural, marginal, experimental, alternativa, underground, udigrúdi, independente, subterrânea, de curtição, ou, nos termos da época, do desbunde, que indiciavam que “muitas ilusões revolucionárias alimentadas pelos projetos estéticos dos anos 1960” já esboroavam. Diante da modernização imposta pela direita por meio da ditadura militar, a única saída possível, na perspectiva dos artistas de vanguarda, era a criação de espaços alternativos de produção e circulação de arte como forma de resistência ao endurecimento do regime. É interessante reconhecer, no âmbito das estratégias marginais da arte de guerrilha, a convergência de duas vertentes que, na época, foram consideradas antagônicas, mas que no curso do tempo revelaram possuir fortes afinidades: a luta armada e a contracultura, os guerrilheiros e os hippies, o engagement e o drop out.

[…]

O texto de Freitas responde, em outros termos, à seguinte questão de Celso Favaretto, assim glosada: “Embora as imagens de resistência do período contracultural estejam desatualizadas ou inviabilizadas, se admitirmos que certos dispositivos modernos ainda são ativos, como repotencializá-los segundo as condições atuais da cultura e das artes?”[vii] Para Freitas, essa reativação será possível quando se perceber que os trabalhos mais relevantes do projeto conceitualista – como as obras de Antonio Manuel, Artur Barrio e Cildo Meireles examinadas no livro – constituíram uma espécie de “reserva de potência poética” ao “impregnarem a forma artística com preocupações políticas, trabalhando com as exigências da linguagem de sua época”. Ou, dito de outro modo: será possível se a nova geração de artistas, sem resgate ou nostalgia, aprender com a arte de guerrilha a possibilidade de se “elaborar radicalmente” o problema político do presente sem abdicar da investigação da forma artística.

Acentue-se, por esses motivos, a relevância da análise rigorosa e rara, porque erudita, de Freitas. É um trabalho que explicita, com engenho, como se efetua em cada obra de arte singular a passagem da exterioridade à interioridade, da matéria da vida à forma artística. Escrito em prosa límpida, é um livro de referência na área, seja por sua valiosa pesquisa documental sobre a arte de guerrilha, que escapa aos lugares-comuns da crítica, seja por problematizar, com fino trato, as relações entre arte e política.

 

Leia o texto original na íntegra n’A Terra É Redonda

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