Resenha de “Conversa Cortada: A Correspondência entre Antonio Candido e Ángel Rama”

14/06/2019

Em Boletim Lua Nova

Por Max Gimenes

A correspondência entre dois indivíduos, documentação de caráter privado, torna-se de interesse público na medida em que revela informações sobre histórias de vida extraordinárias, sobre o funcionamento de uma área de atuação específica em determinado momento ou sobre a gênese e o processo de elaboração de uma obra. Nesse caso, o que poderia ser simples meio de comunicação circunstancial ganha relevância histórica e se transforma em importante fonte primária de pesquisa para especialistas e de conhecimento geral para o público mais amplo.

É esse, precisamente, o caso de  Conversa Cortada: A Correspondência entre Antonio Candido e Ángel Rama, livro que revela informações interessantes em todos esses níveis. O início da interlocução, por exemplo, mostra o descompasso entre as diferentes inserções profissionais de cada crítico na fase da vida em que se conheceram, no começo de 1960. Enquanto o uruguaio Rama atuava sobretudo na imprensa e publicava apenas textos de fôlego mais curto, Candido já se profissionalizara como crítico literário acadêmico e publicara sua obra-prima, Formação da literatura brasileira: momentos decisivos (1959). Nesse momento, o crítico brasileiro alude às “condições materiais tão favoráveis para o trabalho” de sua “experiência de Assis” (carta de 22 de novembro de 1960), quando pôde se concentrar no trabalho intelectual, talvez até pelo isolamento geográfico imposto pela migração institucional para uma cidade do interior. Foi nesse período, por exemplo, que ele pôde se dedicar à preparação para publicação das teses acadêmicas que defendera nas décadas anteriores, O método crítico de Sílvio Romero (1963) e Os Parceiros do Rio bonito (1964), consolidando, assim, sua posição e influência acadêmicas. Enquanto isso, a atividade intelectual de Rama se dava com a intervenção no debate público por meio da imprensa, para a qual, aliás, buscou atrair a colaboração de Candido, convidando-o a participar da revista de cultura e política Marcha, ao que o crítico brasileiro, que a essa altura já se afastava progressivamente da crítica de imprensa e contribuía com ela apenas ocasionalmente, respondeu de maneira negativa, alegando justamente o foco no trabalho acadêmico naquele período (carta de 26 de abril de 1960).

[…]

Entre cartas, bilhetes, cartões-postais e telegramas, somam oitenta e sete as comunicações reunidas no livro, que foram trocadas por Candido e Rama entre 1960, quando se conheceram, e 1983, ano da morte do uruguaio em acidente aéreo, a qual interrompeu o plano que tinham de voltar a se encontrar no ano seguinte, para dar continuidade ao trabalho que então realizavam no âmbito do projeto de história literária latino-americana capitaneado por Pizarro. Apesar de precocemente interrompido, esse conjunto documental não deixa de constituir um importante legado e ponto de referência para quem pensa o trabalho intelectual como participante das lutas emancipatórias, o que na periferia do capitalismo passa pela integração regional como forma de resistência a eventuais interferências imperialistas. Não é demais lembrar que, se o momento atual parece hostil a essas ideias, Candido e Rama enfrentaram ditaduras (e, no caso do último, também exílio em diferentes países), sem com isso perder as esperanças ou a determinação.

Leia o texto original na íntegra no Boletim Lua Nova

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